Desafios do planejamento sucessório e implicações ao cônjuge e herdeiros necessários

Em recente decisão, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reiterou um entendimento crucial para o planejamento sucessório e patrimonial de famílias e empresas brasileiras. O julgamento do Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial nº 1956316 – SP trouxe à tona, mais uma vez, a discussão sobre os direitos sucessórios do cônjuge ou companheiro sobrevivente.

O cerne da questão reside na interpretação do artigo 1.845 do Código Civil, que estabelece o cônjuge como herdeiro necessário. O STJ, mantendo sua linha jurisprudencial, afirmou que:

1. O cônjuge/companheiro é considerado herdeiro necessário, conforme o art. 1.845 do Código Civil, independentemente do regime de bens escolhido, seja no casamento ou na união estável.

2. O pacto antenupcial ou escritura de união estável que estabelece o regime de separação total de bens não produz efeitos após a morte de um dos cônjuges/companheiros.

3. Não existe no ordenamento jurídico brasileiro previsão de “ultratividade” do regime patrimonial que possa estender sua eficácia após o falecimento.

4. As regras sucessórias são de ordem pública e não podem ser alteradas por vontade das partes.

5. A única exceção à concorrência do cônjuge/companheiro com descendentes ocorre no regime da separação obrigatória de bens (art. 1.641 do Código Civil), no regime da comunhão universal, ou, no caso da comunhão parcial de bens, não ter deixado bens particulares.

Implicações para o planejamento sucessório e patrimonial

Esta decisão tem importantes implicações para o planejamento sucessório e patrimonial de empresas e famílias empresárias, podendo ser destacados os seguintes pontos:

  • Ineficácia de cláusulas de incomunicabilidade post mortem: Imagine um casal que, ao se casar, optou por um pacto antenupcial com separação total de bens, acreditando que isso excluiria o cônjuge da sucessão. Com a decisão do STJ, tal cláusula não terá eficácia após a morte de um dos cônjuges, e o cônjuge sobrevivente ainda terá direito à herança.

 

  • Necessidade de revisão de planejamentos sucessórios: Considere uma família empresária que estruturou seu planejamento sucessório com base na exclusão do cônjuge sobrevivente. Com a nova interpretação, será necessário revisar esse planejamento para garantir que os objetivos familiares sejam alcançados sem infringir a legislação.

 

  • Importância do testamento: Um empresário pode usar um testamento para dispor sobre a quota disponível de sua herança, garantindo que parte de seus bens vá para um filho de um casamento anterior, enquanto respeita a legítima do cônjuge e outros herdeiros necessários.

 

  • Atenção às doações em vida: Uma empresária pode optar por doar parte de seu patrimônio aos filhos enquanto ainda está viva, como forma de planejamento patrimonial, já que não pode excluir o cônjuge da sucessão via pacto antenupcial.

 

  • Impacto em holdings familiares: Em uma holding familiar, a participação do cônjuge na herança pode alterar a estrutura de controle. Por exemplo, se um dos sócios falecer, o cônjuge sobrevivente pode se tornar um acionista significativo, exigindo ajustes na governança da empresa.

 

  • Casamentos e uniões estáveis tardios: Um casal que se une em idade avançada pode acreditar que o regime de separação de bens os protegerá de questões sucessórias. No entanto, a decisão do STJ indica que o cônjuge sobrevivente ainda terá direitos, independentemente do regime de bens.

 

Anteprojeto do Novo Código Civil

Sem perder de vista os impactos para o planejamento diante da decisão do STJ, necessário observar que o cenário jurídico atual pode sofrer mudanças significativas com o anteprojeto do Novo Código Civil em discussão no Senado. Uma das propostas de impacto é a alteração do artigo 1845, que visa retirar o cônjuge da categoria de herdeiro necessário. Se aprovada, esta mudança trará profundas implicações para o planejamento sucessório, podendo-se destacar:

1. Maior autonomia testamentária: O testador teria mais liberdade para dispor de seus bens, podendo, se desejar, excluir o cônjuge da herança.

2. Flexibilização do planejamento: Permitiria estratégias mais flexíveis de transmissão patrimonial, especialmente em casos de segundos casamentos ou uniões tardias.

3. Potencial vulnerabilidade: A mudança poderia deixar cônjuges em situação de vulnerabilidade, especialmente em casamentos de longa duração.

4. Impacto nos planejamentos existentes: Caso aprovada, a alteração demandaria uma revisão completa dos planejamentos sucessórios já estabelecidos.

5. Debate jurídico e social: A proposta tem gerado intensos debates sobre o equilíbrio entre autonomia individual e proteção familiar no direito sucessório.

É importante ressaltar que esta proposta ainda está em fase de discussão e, se aprovada, provavelmente não terá efeito retroativo. Porém, ainda é necessário aguardar a tramitação e aprovação do projeto, para termos clareza sobre os impactos reais que advirão para os planejamentos sucessórios e patrimoniais.

Conclusões Finais

Como se observa, esta decisão do STJ reforça a necessidade de ser realizado um planejamento sucessório e patrimonial abrangente e cuidadoso. Mais do que nunca, é crucial considerar não apenas os aspectos contratuais, mas também as normas imperativas do direito sucessório brasileiro. Famílias empresárias e empresas devem, portanto, revisar seus planejamentos à luz deste entendimento consolidado do STJ.

Contudo, em um cenário jurídico em constante evolução, sobretudo diante do projeto de reforma do código civil, manter-se atualizado e buscar orientação especializada torna-se fundamental para proteger e transmitir o patrimônio familiar de forma eficaz e em conformidade com a lei. O planejamento sucessório, longe de ser um evento único, revela-se um processo contínuo de adaptação às mudanças legislativas e jurisprudenciais.

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