
26 maio Desafios e Soluções no Planejamento Sucessório em Empresas Familiares
As empresas familiares são, historicamente, o motor de economias fortes: representam longevidade, valores consistentes e resiliência nos momentos de crise. Dados do IBGE[1] apontam que 90% das empresas no Brasil têm perfil familiar, asa quais respondem por mais da metade do PIB, além de empregar 75% da mão de obra no país. Essa relevância econômica sublinha a importância de estratégias eficazes para garantir sua continuidade.
No entanto, a transição entre gerações é um dos pontos mais sensíveis – e perigosos – para a sua continuidade. Estudos indicam que apenas 30% das empresas familiares chegam à 3ª geração e somente metade disso, ou seja, 15%, prosseguem para além dessa fase. Este declínio acentuado demonstra a complexidade inerente à sucessão, onde fatores emocionais, financeiros e administrativos se entrelaçam.
Tal desafio se intensifica quando uma empresa familiar transita da chamada “sociedade de irmãos” (a geração dos filhos do fundador) para a necessidade de se preparar para a sucessão aos seus próprios filhos, formando o “consórcio de primos” (a geração dos netos do fundador). Nessa etapa, diversas complexidades emergem, envolvendo família, patrimônio e administração. A falta de um planejamento adequado pode levar a conflitos, desestruturação do negócio e até mesmo à sua extinção.
Neste artigo, abordamos os principais desafios e estratégias para um planejamento sucessório eficaz, à luz dos ensinamentos de John Davis, autor da obra “De Geração Para Geração: Ciclos de Vida das Empresas Familiares”[2], o qual estruturou as empresas familiares em três círculos que se inter-relacionam: família, propriedade e gestão. Compreender a dinâmica desses três círculos é crucial para um planejamento sucessório bem-sucedido.
1. Família: Entre o Afeto e o Poder
No estágio da sociedade de irmãos, a administração da empresa e a propriedade das ações tendem a estar alinhadas com os vínculos afetivos familiares. Afinal, todos pertencem à mesma geração e, geralmente, tiveram experiência direta com o fundador, que exerceu (ou exerce) influência direta sobre eles e sua formação. Há uma identidade forte em torno dos valores e da visão do fundador, o que facilita a tomada de decisões e a resolução de conflitos.
Contudo, na transição para um consórcio de primos, as diferenças de valores, experiências e proximidade emocional tendem a aumentar. Pode ocorrer um distanciamento dos valores que permearam os laços familiares a partir da figura do fundador (avô). Essa conjuntura traz maior complexidade para a manutenção da estabilidade das relações familiares, o que, naturalmente, pode influenciar ou afetar a estabilidade dos negócios. Por exemplo, divergências sobre a direção estratégica da empresa ou a distribuição de lucros podem gerar tensões e disputas
Princípios de Governança Familiar
Surge, assim, a necessidade de criar estruturas formais para permitir o diálogo, a gestão de conflitos e tomada de decisões no âmbito familiar, migrando de um ambiente informal para mecanismos mais institucionais. A governança familiar visa garantir que as decisões sejam tomadas de forma transparente e equitativa, protegendo os interesses de todos os membros da família e da empresa. Destacamos os seguintes instrumentos:
Conselhos de Família: Fórum estruturado onde a família pode se informar e deliberar sobre o desenvolvimento da empresa e dos negócios. É o local para discutir estratégias de participação societária, alinhar objetivos e expectativas quanto à manutenção dessas participações, e promover políticas sobre o envolvimento de familiares na empresa. O Conselho de Família atua como um elo entre a família e a empresa, promovendo a comunicação e o alinhamento de interesses.
Protocolos Familiares: Instrumentos essenciais para regular papéis, direitos e deveres dos membros familiares, especialmente em consórcios de primos, onde a dispersão de interesses pode colocar em risco a coesão empresarial. O Protocolo Familiar define as regras do jogo, podendo estabelecer diretrizes claras sobre questões como a entrada de novos membros na empresa, bem como incluir cláusulas de mediação e arbitragem para resolver disputas de forma amigável e eficiente.
2. Propriedade: Estruturando o Patrimônio para o Futuro
Com o aumento do número de sócios (primos), a tendência é que as participações se fragmentem. O desafio é garantir justiça e equilíbrio entre herdeiros, ao mesmo tempo em que se protege a unidade do patrimônio, evitando pulverização ou disputas judiciais. A fragmentação da propriedade pode dificultar a tomada de decisões estratégicas e aumentar o risco de conflitos entre os sócios.
Nesse sentido, a adoção de ferramentas jurídicas e patrimoniais é fundamental para estruturar as relações com base em preceitos que orientem o papel e a participação efetiva dos familiares na propriedade da empresa. Essas ferramentas visam proteger o patrimônio familiar, garantir a continuidade do negócio e evitar disputas entre os herdeiros. Destacam-se:
Holdings Familiares: A constituição de sociedades nas quais os bens são incorporados viabiliza a centralização da gestão, facilitando o controle e a proteção do patrimônio. A holding familiar atua como um “cofre” do patrimônio, protegendo-o de riscos e facilitando a gestão tributária e sucessória.
Acordo de acionistas: importante instrumento para disciplinar como as relações no âmbito da sociedade se desenvolverão, delimitando os direitos e deveres de cada um dos que possuem participação direta no capital social. Incluem regras para ingresso e saída da sociedade, visto que a pulverização do controle acionário torna complexa a tomada de decisões e sua aprovação, podendo afetar a saúde e a perenidade da empresa. O Acordo de Acionistas pode prever, por exemplo, o direito de preferência na compra de ações, o direito de voto em bloco e a obrigação de não concorrência.
Testamentos, doações e cláusulas restritivas: Tais mecanismos são também úteis para a transmissão da propriedade (participações acionárias), uma vez que permitem definir regras para indivisibilidade de ativos estratégicos, estabelecer a reserva de usufruto e direitos de administração, além da possível imposição de restrição de incomunicabilidade e impenhorabilidade das ações. O testamento permite definir como a herança será distribuída, enquanto a doação pode ser utilizada para antecipar a transmissão do patrimônio. As cláusulas restritivas, como a incomunicabilidade e a impenhorabilidade, protegem o patrimônio de dívidas e de terceiros.
3. Gestão: Profissionalização e Sustentabilidade
Por fim, o círculo da gestão está associado à administração da sociedade na qual a família detém participação. Essa administração poderá estar restrita ao controle e direção dos membros da família ou ser conduzida por profissionais externos. A profissionalização da gestão é fundamental para garantir a eficiência e a competitividade da empresa.
Em um estágio de consórcio de primos, a administração tende a se tornar mais complexa à medida que o número de sócios aumenta e as diferenças de expectativas entre familiares se acentuam. Por essa razão, iniciar um processo de profissionalização é fundamental. Isso inclui a instituição de órgãos de governança – como conselhos de administração e consultivos, com membros independentes – para garantir decisões técnicas e estratégicas em prol dos interesses da sociedade, minimizando assim a influência de decisões puramente afetivas.
A profissionalização da gestão também envolve a implementação de sistemas de gestão modernos, a definição de metas e indicadores de desempenho e a capacitação dos colaboradores.
Conclusão
Para John Davis, as empresas familiares que atravessam gerações são aquelas que reconhecem que cada transição exige novas regras, novos fóruns e mecanismos de responsabilização. Não existe fórmula única, mas sim a necessidade de um planejamento adaptável às novas estruturas familiares e de propriedade, com a família sempre ativa nos processos, porém aberta à inclusão de competências externas. A chave para o sucesso é encontrar o equilíbrio entre a tradição familiar e a inovação, entre o controle familiar e a profissionalização da gestão.
Assim, a transição de uma sociedade de irmãos para um consórcio de primos é um dos grandes desafios para as empresas familiares que buscam a longevidade dos negócios. Por isso, assegurar o diálogo aberto, estruturas jurídicas adequadas e profissionalização são os pilares essenciais para perpetuar o legado, proteger o patrimônio e harmonizar interesses. Com método, preparação e auxílio de profissionais especializados, é possível transformar complexidade em longevidade empresarial. Um planejamento sucessório bem estruturado não apenas garante a continuidade do negócio, mas também fortalece os laços familiares e preserva o patrimônio para as futuras gerações.
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Aviso Legal: Este artigo tem caráter meramente informativo e não substitui uma consulta jurídica individualizada. Cada caso deve ser analisado por um profissional qualificado, que poderá avaliar as particularidades da situação e orientar sobre a melhor estratégia a ser adotada. A legislação e a jurisprudência estão em constante evolução, sendo fundamental o acompanhamento de um especialista para garantir a conformidade com as normas aplicáveis.
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[1] Dados divulgados em notícia veiculada pela Exame em 25/02/2023 – Matéria publicada em https://exame.com/negocios/qual-e-o-grande-desafio-a-longevidade-das-empresas-familiares-brasileiras-segundo-a-dom-cabral/ – Acesso na data de 09/05/2025
[2] DAVIS, John A., GERSICK, Kelin E. “De Geração Para Geração: Ciclos de Vida das Empresas Familiares”. Rio de Janeiro: Alta Books, 2017.