Além da Economia Fiscal: Cuidados na Elaboração de Planejamentos Tributários

Em um cenário empresarial cada vez mais complexo e sob constante fiscalização, o planejamento societário e tributário se tornou uma ferramenta essencial para a otimização de recursos e a busca por eficiência. Contudo, a tênue linha que separa a elisão fiscal (planejamento legítimo) da evasão fiscal (prática ilícita) exige cautela e expertise. Planejamentos mal estruturados, desprovidos de amparo legal e de um propósito negocial legítimo, correm o risco de serem invalidados por autuações fiscais e questionamentos judiciais.

Neste artigo, analisamos o entendimento adotado pela Receita Federal do Brasil (RFB) e algumas autuações fiscais recentemente julgadas pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF). Estes casos ilustram os riscos de planejamentos societários mal estruturados, destacando a necessidade de uma abordagem criteriosa e transparente na elaboração e execução dessas estratégias.

A Tênue Linha entre Elisão e Evasão Fiscal: A Visão do Fisco

A RFB, atenta às artimanhas utilizadas para reduzir indevidamente a carga tributária, tem intensificado a fiscalização sobre planejamentos societários e tributários considerados abusivos. A Solução de Consulta COSIT nº 72/2025, por exemplo, aborda a questão da opção pelo Lucro Presumido em empresas pertencentes a um mesmo grupo econômico.

A RFB reconhece que a formação de grupos econômicos é legítima, desde que haja respeito à independência da personalidade jurídica de seus integrantes. Contudo, alerta que, caso seja constatada a existência de “grupo econômico irregular” – caracterizado pelo abuso da personalidade jurídica, confusão patrimonial, gestão unificada e ausência de autonomia – a empresa poderá ser enquadrada como uma só, com a consequente centralização da apuração do IRPJ.

Essa visão demonstra a preocupação do Fisco em coibir a fragmentação artificial de empresas com o único objetivo de usufruir de regimes tributários mais vantajosos.

Os Riscos da “Fragmentação Fraudulenta” e da “Confusão Patrimonial”

Nesse cenário, as decisões do CARF, instância administrativa de julgamento de questões tributárias, oferecem um panorama prático dos riscos envolvidos em planejamentos societários e tributários mal concebidos. Destacamos dois casos emblemáticos:

Acórdão nº 1401-007.372 – uma empresa distribuidora foi autuada por supostamente utilizar empresas de transporte do mesmo grupo econômico para transferir faturamento e obter vantagens tributárias indevidas. A fiscalização alegou que a segmentação era artificial, sem autonomia administrativa e substância econômica.

Embora a DRJ tenha mantido a autuação, o CARF reformou a decisão, dando provimento ao recurso do contribuinte. O relator destacou que o propósito negocial não é um requisito essencial para a caracterização de um planejamento tributário abusivo, e que não foi verificada dissimulação nos negócios jurídicos praticados.

Acórdão nº 1302-007.350 – uma empresa foi autuada por “planejamento tributário abusivo” com a criação de empresas satélites, que operavam como filiais disfarçadas, permitindo a omissão de receitas e a transferência de lucros sem a devida tributação. A Receita Federal também apontou confusão patrimonial, compartilhamento de gestão e controle centralizado de operações financeiras.

O CARF, embora tenha reconhecido a decadência de parte dos créditos tributários, manteve a autuação em relação aos demais pontos, entendendo que a estrutura empresarial foi desconsiderada pelo Fisco com base em elementos que indicaram gestão unificada, controle financeiro centralizado e operações de subfaturamento.

Dessas decisões, pode-se inferir que a mera existência de um planejamento tributário que resulta em economia de impostos não é suficiente para caracterizar uma prática ilícita. É preciso que o Fisco demonstre a ausência de propósito negocial legítimo e a ocorrência de atos simulados ou fraudulentos.

Por outro lado, ressaltam a necessidade do contribuinte buscar estruturar as operações de forma a evitar a confusão patrimonial, devendo ainda ter cautela com a centralização da gestão, pois a falta de autonomia administrativa e operacional das empresas envolvidas pode ser interpretada como indício de simulação e planejamento tributário abusivo.

O Propósito Negocial Legítimo: A Chave para um Planejamento Seguro

Diante deste cenário, a pergunta que se impõe é: como estruturar um planejamento societário e tributário eficiente e, ao mesmo tempo, blindado contra questionamentos fiscais? A resposta reside em dois pilares fundamentais:

Amparo Legal Sólido: É imprescindível que o planejamento esteja em consonância com a legislação tributária, societária e civil. A interpretação das normas deve ser criteriosa, buscando o sentido que melhor se harmonize com a finalidade da lei e com os princípios constitucionais.

Propósito Negocial Legítimo: O planejamento não pode ter como objetivo único e exclusivo a economia tributária. É necessário que haja um propósito negocial real, que justifique a reestruturação societária ou a adoção de determinadas práticas. Esse propósito pode ser a busca por maior eficiência operacional, a especialização de atividades, a proteção patrimonial ou a facilitação da sucessão familiar, entre outros.

A economia tributária deve ser uma consequência natural de uma decisão empresarial que se justifica por si só, e não o objetivo principal da operação. Diante dos riscos e incertezas que permeiam o planejamento societário e tributário, a estruturação de uma operação deverá considerar:

Diagnóstico Detalhado: Realizar um diagnóstico completo da situação da empresa, identificando os riscos e as oportunidades tributárias.

Estudo de Viabilidade: Elaborar um estudo de viabilidade que demonstre os benefícios do planejamento, tanto do ponto de vista tributário quanto operacional.

Documentação Robusta: Manter uma documentação completa e organizada de todas as etapas do planejamento, desde a sua concepção até a sua execução.

Transparência: Adotar uma postura transparente perante a fiscalização, prestando todas as informações solicitadas de forma clara e objetiva.

Monitoramento Contínuo: Monitorar continuamente a legislação e a jurisprudência, adaptando o planejamento às novas exigências.

 

Conclusão

O planejamento societário e tributário, quando realizado com amparo legal e propósito negocial legítimo, pode ser uma ferramenta poderosa para otimizar a carga tributária e impulsionar o crescimento dos negócios. Contudo, a negligência e a falta de expertise podem transformar essa ferramenta em um risco, com consequências financeiras e reputacionais desastrosas.

Aviso Legal: Este artigo tem caráter meramente informativo e não substitui uma consulta jurídica individualizada. Cada caso deve ser analisado por um profissional qualificado, que poderá avaliar as particularidades da situação e orientar sobre a melhor estratégia a ser adotada.

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